Era uma tarde como tantas outras em Kawempe, um subúrbio empobrecido da capital ugandesa, quando um motociclista parou diante de um miúdo de 13 anos com estatura incomum. Olhou para ele e lançou um conselho que mudaria tudo: “Em três ou quatro anos, vais ser uma pessoa muito alta. Devias tentar o basquetebol”.
Veja também: A mensagem de Ronaldo ao Sporting que encantou os sportinguistas
Cinco anos depois, no Barclays Center, em Brooklyn, esse presságio tornou-se realidade. Khaman Maluach, 2,18 metros de altura, foi escolhido na 10.ª posição do Draft da NBA. Primeiramente pelos Houston Rockets, mas rapidamente transferido para os Phoenix Suns no âmbito do negócio Kevin Durant. É em Phoenix que começará a carreira entre os gigantes do basquetebol mundial.
Crescer no meio do caos: um campo de refugiados, sete irmãos e um sonho improvável
Nascido em 2006 no Sudão do Sul, Maluach viu-se obrigado a fugir para o Uganda devido à guerra civil que devastou o seu país. Cresceu com a mãe e seis irmãos num campo de refugiados em Kawempe, onde o basquetebol era apenas um sonho longínquo.
Não havia bola. Nem cesto. Nem sapatilhas. Mas havia vontade.
Veja também: Sporting prestes a fechar transferência milionária de Diomande
«O campo mais próximo ficava a uma hora a pé e estava quase sempre cheio», contou à BBC Sport Africa. Ainda assim, à meia-noite, altura em que os dados móveis ficavam mais baratos, Khaman e o irmão faziam o chamado “turno da noite”. Viam vídeos de Giannis Antetokounmpo e Joel Embiid no YouTube — gestos técnicos, movimentos, inspirações.
«Se eles conseguiram, eu também consigo», repetia para si próprio.
Até que um dia foi. Caminhou uma hora até ao campo e viu rapazes altos, felizes, a jogar. Pegou finalmente numa bola. Tinha 13 anos. E não mais largou.
Sem sapatilhas, com crocs e com fé
O talento de Maluach rapidamente chamou a atenção de Wal Deng, ex-jogador dos Chicago Bulls e atual presidente da federação do Sudão do Sul. Deng convidou-o para um acampamento de basquetebol. Tentou calçá-lo com sapatilhas — mas não havia número 48. O miúdo jogou com as crocs do dia-a-dia.
«Vi logo que ele era especial. Ele quer a grandeza e sabe o que é preciso para lá chegar. Aprende depressa e é humilde», contou Deng.
Veja também: Más notícias para Gyökeres: Arsenal prestes a fechar avançado por 75M€
Com 14 anos, ganhou uma bolsa para a Academia NBA África, no Senegal. Deixou a família para trás e passou dois anos sem os ver. Mas ganhou estrutura física, formação académica e técnica de elite.
Com 15 anos, estreou-se na Liga Africana de Basquetebol. Aos 16, já era internacional pelo Sudão do Sul. Foi o jogador mais jovem do Mundial de 2023, onde ajudou o país a qualificar-se para os Jogos Olímpicos de Paris 2024.
De Duke para o mundo
Após os Jogos, em 2024, assinou com a prestigiada Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Já era bem conhecido por lá. Troy Justice, vice-presidente sénior da NBA, ainda se recorda do primeiro vídeo de WhatsApp enviado por um olheiro da Academia NBA África: «É impressionante. Um rapaz de 14 anos, com quase zero experiência de jogo, mas com um potencial gigante».
Maluach não esquece o impacto de ver Zion Williamson nos vídeos. Quando explicou aos primos que jogava por Duke, ninguém percebeu. Mas quando disse que era “a universidade do Zion”, todos acharam “fixe”.
Veja também: Brasileiros incluem jogador do FC Porto no pior onze da fase de grupos do Mundial de Clubes
A noite que emocionou o mundo
Na noite do Draft, a 26 de Junho de 2025, vestia um blazer forrado com as bandeiras do Sudão do Sul e do Uganda. Quando Adam Silver anunciou o seu nome, as lágrimas escorreram-lhe pela cara.
«Toda a minha jornada passou pela cabeça. A minha família, o meu povo. Estou aqui a representar todo o continente africano. Mesmo quando tudo parecia impossível, acreditei», disse, comovido.
Em Entebbe, no Uganda, a família explodiu em festa: danças, orações, lágrimas. Mas ninguém conseguiu viajar. Devido a sanções dos tempos de Trump, os familiares e treinadores ficaram em África. Só a irmã, residente na Austrália, pôde estar presente.
Wal Deng viu tudo pela televisão. Chorou. «Ele é um símbolo de esperança para África», confessou.