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Nacional
03/12/25 às 14:18

Uma centena de anos de rivalidade, histórias e… surpresas

O primeiro dérbi entre Benfica e Sporting disputou-se a 1 de Dezembro de 1907, num campo em Carcavelos, quando o clube ainda se chamava Sport Lisboa. O Sporting venceu por 2-1

Desde então, são mais de um século de confrontos: inclusive no século passado, o dérbi já acumulava eventos insólitos — desde jogadores que mudaram de clube evocando animosidades até jogos decididos fora das 4 linhas, pelas circunstâncias. 

Quando abandonos e recusas ante o dérbi entraram para a História

Na época 1910/11, o Sporting recusou-se a comparecer a um dérbi porque considerava que os adversários “não eram dignos de pisar as suas instalações” — numa reacção extrema a disputas com a AFL (Associação de Futebol de Lisboa), já naquela altura com acusações de favorecimento. 

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Meses antes, em 1919, após a transferência controversa de um jogador (Alberto Rio) do Benfica para o Sporting, emergiu uma crise: o clube da Luz protestou contra a transferência e, para resolver a classificação do campeonato, disputou-se uma finalíssima entre os rivais — mas o árbitro original recusou-se a dirigir o jogo devido à tensão. O Sporting entrou em campo com apenas 10 jogadores e ganhou por 1-0. 

A segunda mão manteve a polémica: o Sporting venceu novamente, mas o Benfica voltou a protestar. Estava assente um precedente: o dérbi não era apenas futebol — podia ser guerra, com regras próprias, acordos secretos, protestos e denúncias. 

Goleadas históricas e domínios avassaladores

Entre 1908 e 1915, o Benfica passou 14 dérbis sem perder (13 vitórias e 1 empate), construindo uma hegemonia que jamais o clássico viveu de forma tão prolongada. 

Na temporada 1986/87, surgiu a maior goleada da história do confronto: um esmagador 7-1 do Sporting em casa — com quatro golos de Manuel Fernandes, dois de Mário Jorge e um de Raphael Meade. Um resultado que, mesmo havendo uma época de brilho para o Benfica, ficou para sempre como símbolo do desequilíbrio que, por vezes, o dérbi alcança. 

Para Manuel Fernandes, aquele jogo ficou marcado: “nos últimos quinze minutos senti que em vez de sete poderiam ter sido oito, nove, dez ou onze”, disse ele depois — fruto da superioridade total dos “leões”. 

Rivalidade fora das 4 linhas: transferências, truques e “verões quentes”

Não são raros os episódios onde o dérbi ultrapassa o campo. Um dos mais célebres envolve o episódio apelidado de Verão Quente de 1993: com o Benfica a atravessar sérias dificuldades financeiras, o Sporting aproveitou para contratar jogadores como Paulo Sousa e António Pacheco, gerando uma crise histórica no clube da Luz — acusando-se “roubo de símbolos”, salários atrasados e falhas de gestão. 

Este episódio reforça que o dérbi não se resume a 90 minutos, mas a décadas de rivalidade política, social e institucional — com actos que marcavam antes de a bola rolar.

Dérbis polémicos: decisões, arbitragens e tensões sempre à flor da pele

Não faltam jogos recentes em que o árbitro e o VAR estiveram no centro da polémica. Em 2020, por exemplo, especialistas do jornal desportivo disponível analisaram uma vitória do Benfica por 2-1 — questionando decisões disciplinares, critérios de penálti e faltas não assinaladas. 

Outros dérbis mais recentes, mesmo sem golos ou lances de antologia, geraram críticas à arbitragem por penáltis não assinalados ou interpretações dúbias de quedas na área — episódios que, ainda que não tenham definido jogos, alimentaram o clima de tensão e desconfiança. 

Isto demonstra que, no dérbi, mesmo um jogo pacífico pode tornar-se polémico — pelo ambiente, pelo contexto, pelas expectativas ou por uma simples decisão de bandeirola.

Dérbi como palco de histórias que ultrapassam o relvado

O dérbi lisboeta viu desde cedo situações estranhas: no primeiro jogo de 1907, o campo pertencia a um clube de ciclismo, os jogadores do Sport Lisboa chegavam a carregar as bolas e improvisar balneários — quase nada comparável ao luxo moderno dos derbies atuais. 

A própria instabilidade dos clubes, a rivalidade social e económica, e os contrastes de cada formação (desde estrutura, finanças e suporte) fazem parte do ADN do dérbi — e explicam por que tantos jogos ficaram marcados não só pelos golos, mas pelos cenários curiosos e por decisões que marcaram gerações.

Por que continua a haver polémica — e por que o dérbi é mais do que futebol

Apesar de o confronto entre Benfica e Sporting ser, sobretudo, uma disputa desportiva, ele carrega camadas históricas de rivalidade institucional, social e cultural. O dérbi serve como palco onde se cruzam histórias de poder, identidade, desespero, glória e, por vezes, injustiça.

Os episódios que citei — abandonos de jogos, recusas de comparência, transferências polémicas, goleadas avassaladoras, decisões duvidosas de arbitragem — mostram um clássico imprevisível, muitas vezes volátil, com capítulos que poucos clássicos no mundo conseguem garantir.

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Se, por um lado, o dérbi dá espectáculo; por outro, põe à prova a paciência dos adeptos — especialmente quando as polémicas surgem. Mas talvez seja essa intensidade, essa imprevisibilidade — no campo e fora dele — que tornam o dérbi lisboeta num fenómeno que vai muito além do desporto.